domingo, 14 de novembro de 2010

Pirataria da Somália

A Verdade acerca da Pirataria da Somália

Quem imaginaria que em 2009, os governos do mundo declarariam uma nova Guerra aos Piratas? No instante em que você lê esse artigo, a Marinha Real Inglesa - e navios de mais 12 nações, dos EUA à China - navega rumo aos mares da Somália, para capturar homens que ainda vemos como vilãos de pantomima, com papagaio no ombro. Mais algumas horas e estarão bombardeando navios e, em seguida, perseguirão os piratas em terra, na terra de um dos países mais miseráveis do planeta. Por trás dessa estranha história de fantasia, há um escândalo muito real e jamais contado. Os miseráveis que os governos 'ocidentais' estão rotulando como "uma das maiores ameaças de nosso tempo" têm uma história extraordinária a contar - e, se não têm toda a razão, têm pelo menos muita razão.
O governo da Somália entrou em colapso em 1991. Nove milhões de somalis passam fome desde então. E todos e tudo o que há de pior no mundo ocidental rapidamente viu, nessa desgraça, a oportunidade para assaltar o país e roubar de lá o que houvesse. Ao mesmo tempo, viram nos mares e praias da Somália o local ideal onde jogar todo o lixo nuclear do planeta.
Exactamente isso: lixo atómico. Nem bem o governo desfez-se (e os ricos partiram), começaram a aparecer misteriosos navios europeus no litoral da Somália, que jogavam ao mar contentores e barris enormes. A população do litoral começou a adoecer. No começo, erupções de pele, náuseas e bebés mal-formados. Então, com o tsunami de 2005, centenas de barris enferrujados e com vazamentos apareceram em diferentes
pontos do litoral. Muita gente apresentou sintomas de contaminação por radiação e houve 300 mortes.
Quem conta é Ahmedou Ould-Abdallah, enviado da ONU à Somália: "Alguém está jogando lixo atómico no litoral da Somália. E chumbo e metais pesados, cádmio, mercúrio, encontram-se praticamente todos". Parte do que se pode rastrear leva directamente a hospitais e indústrias europeias que, ao que tudo indica, entrega os resíduos tóxicos à Máfia, que se encarrega de "descarregá-los" e cobra barato.
Quando perguntei a Ould-Abdallah o que os governos europeus estariam fazendo para combater esse "negócio", ele suspirou: "Nada. Não há nem descontaminação, nem compensação, nem prevenção."
Ao mesmo tempo, outros navios europeus vivem de pilhar os mares da Somália, atacando uma de suas principais riquezas: pescado. A Europa já destruiu seus estoques naturais de pescado pela super-exploração e, agora, está super-explorando os mares da Somália. A cada ano, saem de lá mais de 300 milhões de atum, camarão e lagosta; são roubados anualmente, por pesqueiros ilegais. Os pescadores locais tradicionais passam fome.



Mohammed Hussein, pescador que vive em Marka, cidade a 100 quilómetros ao sul de Mogadishu, declarou à Agência Reuters: "Se nada for feito, acabarão com todo o pescado de todo o litoral da Somália."
Esse é o contexto do qual nasceram os "piratas" somalis. São pescadores somalis, que capturam barcos, como tentativa de assustar e dissuadir os grandes pesqueiros; ou, pelo  

menos, como meio de extrair deles alguma espécie de compensação.
Os somalis chamam-se "Guarda Costeira Voluntária da Somália". A maioria dos somalis os conhece sob essa designação. [Ler matéria importante sobre isso aqui, em:"The Armada is not a solution"].
Pesquisa divulgada pelo site somali independente WardheerNews informa que 70% dos somalis "aprovam firmemente a pirataria como forma de defesa nacional".
Claro que nada justifica a prática de fazer reféns. Claro, também, que há gangsters misturados nessa luta - por exemplo, os que assaltaram os carregamentos de comida do World Food Programme. Mas em entrevista por telefone, um dos líderes dos piratas, Sugule Ali disse:
"Não somos bandidos do mar. Bandidos do mar são os pesqueiros clandestinos que saqueiam nosso peixe". William Scott entenderia perfeitamente.
Por que os europeus supõem que os somalis deveriam deixar-se matar de fome passivamente pelas praias, afogados no lixo tóxico europeu, e assistir passivamente os pesqueiros europeus (dentre outros) que pescam o peixe que, depois, os europeus comem elegantemente nos restaurantes de Londres, Paris ou Roma? A Europa nada fez, por muito tempo. Mas quando alguns pescadores reagiram e intrometeram-se no caminho pelo qual passa 20% do petróleo do mundo... Imediatamente a Europa despachou para lá os seus navios de guerra.
A história da guerra contra a pirataria em 2009 está muito mais claramente narrada por outro pirata, que viveu e morreu no século 4º AC. Foi preso e levado à presença de Alexandre, o Grande, que lhe perguntou "o que pretendia, fazendo-se de senhor dos mares." O pirata riu e respondeu:
"O mesmo que você, fazendo-se de senhor das terras; mas, porque meu navio é pequeno, sou chamado de ladrão; e você, que comanda uma grande frota, é chamado de imperador." Hoje, outra vez, a grande frota europeia lança-se ao mar, rumo à Somália - mas... quem é o ladrão?


                                  Johann Hari: The Independent, UK

1 comentário:

  1. Excelente trabalho. Boa divulgação.
    Aproveito para sugerir aqui a visualização do vídeo, legendado, incluído no blogue AprenderVivendo Sociedade (in)Justa: http://aprendervivendosociedade.blogspot.com/2011/05/pirataria-na-somalia-afinal-quem-sao-os.html
    Um abraço
    JG

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